domingo, 25 de outubro de 2009

As Coisas que a Gente Fala

As coisas que a gente fala
saem da boca da gente
e vão voando, voando,
correndo sempre pra frente.
Entrando pelos ouvidos
de quem estiver presente.
Quando a pessoa presente
É pessoa distraída
Não presta muita atenção.
Então as palavras entram
E saem pelo outro lado
Sem fazer complicação.

Mas ás vezes as palavras
Vão entrando nas cabeças,
Vão dando voltas e voltas,
Fazendo reviravoltas
E vão dando piruetas.
Quando saem pela boca
Saem todas enfeitadas.
Engraçadas, diferentes,
Com palavras penduradas.

Mas depende das pessoas
Que repetem as palavras.
Algumas enfeitam pouco.
Algumas enfeitam muito.
Algumas enfeitam tanto,
Que as palavras - que
Engraçado!
- nem parece as palavras
que entraram pelo outro
lado.

E depois que elas se espalham,
Por mais que a gente procure,
Por mais que a gente recolha,
Sempre fica uma palavra,
Voando como uma folha,
Caindo pelos quintais,
Pousando pelos telhados,
Entrando pelas janelas,
Pendurada nos beirais.

Por isso, quando falamos,
Temos de tomar cuidado.
Que as coisas que a gente fala
Vão voando, vão voando,
E ficam por todo lado.
E até mesmo modificam
O que era nosso recado.

Eu vou contar pra vocês
O que foi que aconteceu,
No dia em que a Gabriela
Quebrou o vaso da mãe dela
E acusou o Filisteu.

- Quem foi que quebrou meu vaso?
Meu vaso de ouro e laquê,
Que eu conquistei no concurso,
No concurso de crochê?
- Quem foi que quebrou seu vaso?
- a Gabriela respondeu
- quem quebrou seu vaso foi...
o vizinho, o Filisteu.

Pronto! Lá vão as palavras!
Vão voando, vão voando...
Entrando pelos ouvidos
De quem estiver passando.
Então entram pelo ouvido
De dona Felicidade:
- o Filisteu? Que bandido!
que irresponsabilidade!
As palavras continuam
A voar pela cidade.
Vão entrando nos ouvidos
De gente de toda idade.
E aquilo que era mentira
Até parece verdade...

Seu Golias, que é vizinho
De dona Felicidade,,
E que é o pai do Filisteu,
Ao ouvir que o filho seu
Cometeu barbaridade,
Fica danado da vida,
Invente logo um castigo,
Sem tamanho, sem medida!
Não tem mais festa!
Não tem mais coca-cola!
Não tem TV!
Não tem jogo de bola!
Trote no telefone?
Nem mais pensar!
Isqueite? Milquicheique??
Vão acabar!

Filisteu, que já sabia
Do que tinha acontecido,
Ficou muito chateado!
Ficou muito aborrecido!
E correu logo pro lado,
Pra casa de Gabriela:
- Que papelão você fez!
Me deixou em mal estado,
Com essa mentira louca
Correndo por todo lado.
Você tem que dar um jeito!
Recolher essa mentira
Que em deixa atrapalhado!

Gabriela era levada,

Mas sabia compreender
As coisas que a gente pode
E as que não pode fazer;
E a confusão que ela armou,
Saiu para resolver.

Gabriela foi andando.
E as mentiras que ela achava
Na sacola ia guardando.
Mas cada vez mais mentiras
O vento ia carregando...
Gabriela encheu sacola,
Bolsa de fecho de mola,
Mala, malinha, maleta.

E quanto mais ia enchendo,
Mais mentiras ia vendo,
Voando, entrando nas casas,
Como se tivessem asas,
Como se fossem - que coisa!
- um milhão de borboletas!

Gabriela então chegou
No começo de uma praça.
E quando olhou para cima
Não achou a menor graça!
Percebeu - calamidade!
- que a mentira que ela disse
cobria toda a cidade!

Gabriela era levada,
Era esperta, era ladina,
Mas, no fundo, Gabriela
Ainda era uma menina.
Quando viu a trapalhada
Que ela conseguiu fazer,
Foi ficando apavorada,
Sentou-se numa calçada,
Botou a boca no mundo,
Num desespero profundo...

Todo mundo em volta dela
Perguntava o que é que havia.
Por que chora Gabriela?
Por que toda esta agonia?
Gabriela olhou pro céu
E renovou a aflição.
E gritou com toda força
Que tinha no seu pulmão:
- Foi mentira!
- Foi mentira!

Com as palavras da menina
Uma nuvem se formou,
Lá no alto, muito escura,
Que logo se desmanchou.
Caiu em forma de chuva
E as mentiras lavou.

Mas mesmo depois do caso
Que eu acabei de contar,
Até hoje Gabriela
Vive sempre a procurar.
De vez em quando ela encontra
Um pedaço de mentira.
Então recolhe depressa,
Antes dela se espalhar.
Porque é como eu lhes dizia.
As coisas que a gente fala
Saem da boca da gente
E vão voando, voando,
Correndo sempre pra frente.

Sejam palavras bonitas
Ou sejam palavras feias;
Sejam mentira ou verdade
Ou sejam verdades meias;
São sempre muito importantes
As coisas que a gente fala.
Aliás, também têm força
As coisas que a gente cala.
Ás vezes, importam mais
Que as coisas que a gente fez...
"Mas isso é uma outra história
que fica pra uma outra vez..."

A Arca de Noé

Esta história é muito,
Muito antiga.
Eu li
Num livrão grande do papai,
Que se chama Bíblia.
É a história de um homem chamado Noé.

Um dia, Deus chamou Noé.
E mandou que ele construísse
Um barco bem grande.
Não sei por quê,
Mas todo mundo chama esse barco
De Arca de Noé.
Deus mandou
Que ele pusesse dentro do barco
Um bicho de cada qualidade.

Um bicho, não. Dois.
Um leão e uma leoa...
Um macaco e uma macaca...
Um caititu e uma caititoa...
Quer dizer, caititoa não,
Que eu nem sei se isso existe.
E veio tudo que foi bicho.
Girafa, com um pescoço
Do tamanho de um bonde...

Tinha tigre de bengala.
Papagaio que até fala.
E tinha onça-pintada.
Arara dando risada,
Que era ver uma vitrola!
E um casal de tatu-bola...

Bicho d´água, isso não tinha,
Nem tubarão, nem tainha,
Procurando por abrigo.
Nem peixe-boi nem baleia,
Nem arraia nem lampreia,
Que não corriam perigo...

E zebra, que parece cavalo de pijama...
E pavão, que parece um galo
Fantasiado pra baile de carnaval.
E cobra, jacaré, elefante...
E paca, tatu e cutia também.
E passarinho de todo jeito.
Curió, bem-te-vi, papa capim...

E inseto de todo tamanho.
Formiga, joaninha, louva-a-deus...
Eu acho que Noé
Devia Ter deixado fora
Tudo que é bicho enjoado,
Como pulga, barata r pernilongo,
Que faz fiuuummm no ouvido da gente.
Mas ele não deixou.
Levou tudo que foi bicho.

Tinha peru, tinha pato.
Tinha vespa e carrapato.
Avestruz, carneiro, pinto...
Tinha até ornitorrinco.
Urubu, besouro, burro.
Gafanhoto, grilo, gato.
Tinha abelha, tinha rato...

Quando a bicharada
Estava toda embarcada,
E mais a família do Noé todinha,
Começou a cair uma chuvarada.
Mas não era uma chuvarada
Dessas que caem agora.
Você já viu uma cachoeira?
Pois era igualzinho
A uma cachoeira caindo,
Caindo, que não acabava mais.

Parecia o Rio Amazonas despencando.
E aquela água foi cobrindo tudo, tudo.
Cobriu as terras, cobriu as plantas, cobriu as árvores, cobriu as montanhas.
Só mesmo a Arca de Noé, que boiava em cima das águas, é que não ficou coberta.

E mesmo depois
Que passou a tempestade
Ficou tudo coberto de água.
E passou muito tempo.
Todo mundo estava enjoado
De ficar preso dentro da Arca,
Sem poder sair nem um bocadinho.

Os bichos até começaram a brigar.
Que nem criança,
Que fica muito tempo dentro de casa
E já começa a implicar com os irmãos.
O gato e o rato
Começaram a brigar nesse tempo
E até hoje não fizeram as pazes.

Até que um dia...
Veio vindo um ventinho lá de longe.
E as águas começaram a baixar.
E foram baixando, baixando...

E Noé teve uma idéia.
Mandou o pombo
Dar uma volta lá fora
Para ver como estavam as coisas.
Os pombos são ótimos para isso.
Eles sabem ir e voltar dos lugares,
Sem se perder, nem nada.

Por isso é que Noé escolheu o pombo
Para esse trabalho.
O pombo foi e voltou
Com uma folhinha no bico.

E Noé ficou sabendo
Que as terras já estavam aparecendo.
E as águas foram baixando
Mais e mais...

Então a Arca pousou
Sobre um monte.
E todo mundo pôde sair
E todo mundo ficou contente.
E todos se abraçaram
E cantaram.

E Deus pendurou no céu
Um arco colorido,
Todo de listras.

E esse arco queria dizer
Que Deus era amigo dos homens,
E que nunca mais
Ia chover assim na terra.
Você já viu, depois da chuva,
O arco-íris redondinho no céu?
Pois é pra sossegar a gente.
Pra gente nunca mais
Ter medo da chuva!


Historinhas malcriadas

O dia em que eu mordi Jesus Cristo

Eu estava numa escola onde não tinha aula de religião.

E todos os meus amigos já tinham feito a primeira comunhão, menos eu.

Então me deu uma vontade danada de fazer primeira comunhão. Eu nem sabia direito o que era isso, mas falei pra minha mãe e pro meu pai e eles acharam que até podia ser bom, que eu andava muito lavada e coisa e tal, e me arranjaram uma tal de aula de catecismo, que era na igreja.

Aí eu não gostei muito, que todo sábado de manhã, enquanto meus amigos ficavam brincando na rua, eu tinha que ir na tal aula. Eu ia, né, e aí eu arranjei uns amigos e tinha uma menina boazinha que vinha me buscar que ela também ia na aula e a gente ia pra igreja rindo de tudo que a gente via.

E na aula a gente aprendia uma porção de coisas, e tinha uma que eu achava engraçada e que era uma rezinha bem curtinha, que se chamava jaculatória. Eu achava esse nome meio feio, sei lá, me lembrava alguma coisa esquisita...

E o padre uma vez mostrou pra gente um livrão, que tinha uma figura com o inferno e uma porção de gente se danando lá dentro.

E a gente tinha que aprender a rezar a Ave-Maria e o Padre-Nosso e o Creindeuspadre.

E tinha um tal de ato de contrição, e uma tal de ladainha, que a gente morria de rir.
E aí a gente começou a aprender como é que se confessava, que tinha que dizer todos os pecados pro padre e eu perguntava pro padre o que era pecado e ele parece que nem sabia direito.

Quando eu chegava em casa e contava essas coisas, meu pai e minha mãe meio que achavam graça e eu comecei a achar que esse negócio de primeira comunhão era meio engraçado...

E aí o padre começou a explicar pra gente como era a comunhão e que a gente ia comer o corpo de Cristo, que na hora da missa aquela bolachinha chamada hóstia vira o corpo de Cristo.

Eu estava muito animada era com o meu vestido novo, que era branco e era cheio de babados e rendas, e na cabeça eu ia botar um véu, que nem a minha avó na missa, só que o meu era branco e mais parecia uma roupa de noiva.

E eu ganhei um livro de missa lindo, todo de madrepérola, e um terço que eu nem sabia usar, minha mãe disse que antigamente as pessoas rezavam terço, mas que agora não se usava mais...

E o dia da comunhão estava chegando e a minha mãe preparou um lanche, ia ter chocolate e bolo e uma porção de coisas, que a gente ia voltar bem depressa da igreja, que quem ia comungar não ia poder comer antes da missa. E era só eu que ia comungar.

E eu perguntei pra minha mãe por que é que ela nunca comungava e ela disse que um dia desses ela ia.

E eu perguntei por que é que o meu pai nunca ia na igreja e ele disse que um dia desses ele ia.

E aí chegou a véspera da minha comunhão e eu tive de ir confessar. E eu morri de medo de errar o tal ato de contrição e na hora que eu fui confessar mandaram eu ficar de um lado do confessionário, que é uma casinha com uma janelinha de grade de cada lado e um lugar de cada lado para ajoelhar, e o padre fica lá dentro.

Eu ajoelhei onde me mandaram e aí eu ouvia tudo que a menina do outro lado estava dizendo pro padre e era que ela tinha desobedecido a mãe dela e o padre mandou rezar vinte Ave-Marias.

Eu fiquei meio que achando que era pecado ouvir os pecados dos outros, mas como ninguém tinha falado nada pra mim eu fiquei quieta, e quando o padre veio pro meu lado eu fui logo falando o ato de contrição: eu pecador me confesso e o resto que vem depois.

E eu contei os meus pecados, que pra falar a verdade eu nem achava que eram pecados, mas foi assim que me ensinaram. E aí o padre disse uma coisa que eu não entendi e eu perguntei “o quê” e o padre disse "vai tirar o cera do ouvido”. E eu disse “posso ir embora?” e ele disse “vai, vai logo e reze vinte Ave-Marias”. E eu achei que ele nem tinha escutado o que eu disse e que ele que precisava tirar a cera do ouvido.

No dia seguinte eu botei o meu vestido branco e eu não comi nadinha, nem bebi água, e nem escovei os dentes, de medo de engolir uma aguinha.

E eu estava morrendo de medo, que todo mundo tinha dito que se a gente mordesse a hóstia saía sangue.

A igreja cheirava a lírio, que é um cheiro que até hoje eu acho enjoado.

As meninas e os meninos que iam fazer primeira comunhão ficavam lá na frente, nos primeiros bancos e davam pra gente uma vela pra segurar.

O padre foi rezando uma missa comprida que não acabava mais e às tantas chegou a hora da gente comungar e as meninas foram saindo dos bancos e foram indo lá pra frente e ajoelhando num degrau que tem perto de uma grade.

E o padre veio vindo com uma taça dourada na mão e ele tirava a hóstia lá de dentro e ia dando uma por uma para cada menina e menino.

Aí chegou a minha vez e abri bem a boca e fechei os olhos que nem eu vi as outras crianças fazerem e o padre botou a hóstia na minha língua. Eu não sabia o que fazer, que morder não podia e a minha boca estava sequinha e a hóstia grudou no céu da boca eu empurrava com a língua e não desgrudava e enquanto isso eu tinha que levantar e voltar pro meu lugar que já tinha gente atrás de mim querendo ajoelhar.

E eu nem aprestei atenção e tropecei no vestido da Carminha e levei o maior tombo da minha vida.

É claro que eu fiquei morrendo de vergonha e eu levantei e nem prestei atenção se eu tinha machucado o joelho. O que estava me preocupando mesmo é que eu tinha dado a maior mordida na hóstia.

Eu estava sentindo tudo que é gosto na boca, que devia de estar saindo sangue da hóstia, mas não tinha coragem de pegar pra olhar.

Aí eu pensei assim: “se eu não olhar se saiu sangue agora, nunca mais na minha vida eu vou saber se é verdade essa história”.

Aí eu meti o dedo na boca e tirei um pedaço da hóstia, meio amassado, meio molhado. E estava branquinho que nem tinha entrado.

E foi assim que eu aprendi que quando as pessoas falam pra gente coisas que parecem besteira não é pra acreditar, que tem muita gente besta neste mundo!


Apanhei assim mesmo...

Precisa de ver como o meu pai é bravo!
Ele nem pergunta muito...
Qualquer coisa e a gente já leva uns safanões.
Mas minha madrinha sempre dá um jeito de me livrar das encrencas que eu apronto.
E quando eu apronto, eu apronto, mesmo!
Neste dia que eu estou contando foi assim.
Apareceu na minha casa um cara, que era meio parente do meu pai.
E quando ele foi embora eu descobri que ele tinha esquecido um maço de cigarros inteirinho.
Eu nunca na minha vida tinha fumado.
Todos os meninos da minha classe já tinha fumado e eles viviam gozando da minha cara por isso.
Eu queria fumar, nem que fosse pra dizer pros outros.
Então eu roubei o maço, quer dizer, roubei não, que achado não é roubado. Eu achei!

Arranjei uma caixa de fósforo na cozinha, escondi o maço e fui pro fundo do quintal.
Subi no muro, que eu gostava muito de ficar encarapitado no muro.
Então eu peguei o maço de cigarros e comecei a fumar.
Pra falar a verdade eu achei uma droga! Mas eu já sabia que no começo a gente acha uma porcaria. A gente tem que insistir, até acostumar. Não é fácil não!
Eu fui fumando, fumando, fui tossindo, tossindo, até que eu comecei a enjoar.

Mas eu não parei, que ser homem não é mole!
Eu ia acendendo um cigarro atrás do outro. Cada vez que um cigarro ia acabando eu acendia outro, que nem meu pai faz.
Aí eu não vi mais nada!
Depois me contaram que eu caí do muro, do outro lado, na casa de dona Esmeralda.
Quando dona Esmeralda me viu caído no meio do quintal, com uma porção de cigarros espalhados em volta de mim, viu logo o que tinha acontecido. E pensou que se chamasse meu pai eu ia entrar na maior surra da minha vida.
Então ela chamou minha madrinha que, como eu já disse, costumava me livrar das minhas trapalhadas.
Minha madrinha veio correndo.
Então ela e dona Esmeralda me levaram pra dentro, passaram água fria na minha cara, até que eu acordei. E eu vomitei uns quinze minutos.
Minha madrinha estava muito assustada, que ela disse que eu estava cheirando cigarro puro, e que o meu pai ia me matar de pancada se eu voltasse pra casa daquele jeito.

Então ela fez eu lavar a boca, foi até lá em casa buscar a minha escova de dentes...
Mas não adiantava nada...
Então dona Esmeralda veio lá de dentro com um copo de pinga. Ela disse que a melhor coisa pra tirar cheiro de cigarro é pinga.
E me fez lavar a boca com pinga, até que ela achou que eu não estava mais cheirando cigarro...

Aí eu e minha madrinha voltamos pra casa.
A gente entrou de mansinho pra não chamar a atenção do meu pai.
Ele estava sentado no sofá, vendo televisão.
Eu passei por trás dele e fui indo pro meu quarto, bem devagar...
Meu pai nem olhou pra trás.
- Tuca, - meu pai chamou – vem cá.
Precisa de ver que surra que eu levei! Meu pai achou que eu tinha tomado pinga!


Bom pra tosse

A mãe do Alvinho andava meio zangada, que o Alvinho estava muito vagabundo, não estudava nada de nada, só queria ouvir música e comer sucrilho. E ele repetiu de ano por causa de uma tal de equacão de 1° grau.
Então a mãe dele foi lá na escola e ficou um tempão conversando com a psicóloga.
O Alvinho ficou esperando na sala de espera e só ouvia dona Branca dizer:
- Paciência? Estou cansada de ter paciência...

E a psicóloga falava baixinho que ele não ouvia nada.
Aí dona Branca saiu e catou o Alvinho pelo braço e foi até em casa resmungando, que essas psicólogas não têm o que fazer e só querem que as mães tenham paciência e que ela já estava cansada de aturar essas crianças, e que o Alvinho tinha repetido o ano porque era muito sem vergonha e vagabundo e etc. e tal.
E que a psicóloga quando tivesse os filhos delas ia ver o que é bom pra tosse...
E que o Alvinho de agora em diante ia entrar num cortado: pra começo de conversa ele ia trabalhar, pra ver como é duro ganhar dinheiro, que o pai dele estava ficando velho de tanto trabalhar e que ela também; e que ela ia arranjar um emprego pra botar ele no batente...

E ela arranjou mesmo. Um emprego de entregador do supermercado.
O Alvinho, que remédio! foi trabalhar.
Nos primeiros dias a família inteira queria saber o que ele estava achando.
A mãe perguntava:
- Como é que foi, Alvinho?
E o Alvinho respondia:
- Bem, ué...
O pai perguntava:
- Então, meu filho, o que é que você está achando? Dureza não é?
O Alvinho respondia:
- É ééé...
Mas ninguém conseguia que ele falasse muito.

Todo mundo achava que ele estava arrependido da vagabundagem que ele tinha feito o ano todo.
Dona Branca dizia em segredo pras amigas:
- Desta vez o Alvinho conserta!
Vocês vão ver!
Até que chegou a hora de fazer matrícula do Alvinho no colégio.
Um dia dona Branca chamou o filho:
- Olha aqui, Alvinho, amanhã você não vai trabalhar. É preciso avisar seu chefe. Nós vamos ao colégio fazer sua matrícula.
Alvinho olhou espantado para a mãe:
- Matrícula? Que matrícula? Eu não vou mais pra escola, não!
- Que é isso, meu filho? Como não vai pra escola?
- Pois é, resolvi – disse o Alvinho – estou achando ótimo esse negócio de trabalhar. Eu fico o dia inteiro na rua, cada vez que eu vou fazer uma entrega eu vou pra um lugar diferente... conheço uma porção de gente nova, ganho um bom dinheirinho, me encho de sorvete e de chocolate o dia inteiro, não me amolo com lição disso, lição daquilo, não tenho mais que me incomodar com equação de 1° grau, estou achando ótimo...

Dona Branca passou o dia inteiro no colégio conversando com a psicóloga.
O Alvinho ficou na sala de espera esperando.
E só ouvia dona Branca dizer:
- Paciência? Estou cansada de ter paciência...

O dia em que meu primo quebrou a cabeça do meu pai

Vocês precisavam conhecer meu primo, puxa vida!
Que chato que ele é!
Ele é tão certinho, mas tão certinho, que eu tenho sempre vontade de chutar a canela dele...
E nem isso eu posso, que ele é maior do que eu e é faixa marrom de caratê.
E joga futebol...
Ele é goleiro, e tem luva de goleiro e camisa de goleiro e uma joelheira de verdade que o Juju falou que é cotoveleira de gente grande e que criança usa de joelheira.

E na escola? Primeiro da classe perde. Ele sabe tudo! Só tira 10. Nunca vai pra fora de classe, nunca tem anotação na caderneta.
E quando ele vai na minha casa, puxa vida!
Meu pai fica dizendo “Olha a caderneta do Armandinho. Só tem 10...”
E a minha mãe fala “Olha como o Armandinho se comporta direitinho e cumprimenta todo mundo, não é como você que entra que nem furacão, sem falar com ninguém...”
E as canetas do Armandinho não estouram e não sujam a mão dele toda de tinta, os cadernos dele não enrolam nos cantos que nem os meus e os lápis de cor dele gastam todos iguaizinhos, não ficam que nem os meus que logo acaba o vermelho e o azul.
É por isso que eu não posso nem ouvir falar de Armandinho... e é por isso que quando aconteceu o que eu vou contar eu fiquei bem me divertindo...
Nesse dia o Armandinho já tinha enchido as minhas medidas. Vocês não vão acreditar, mas o Armandinho trouxe flores pra minha vó. Pode?
E ele veio com uma roupa que eu acho que a minha mãe e a dele compraram no mesmo dia e que era um horror e que eu disse pra minha mãe que eu não ia vestir nem que fosse amarrado.

E minha mãe e minha vó só faltaram babar quando viram o Armandinho com aquela roupa de palhaço.
E na hora do almoço tinha fígado e o engraçadinho gostava de fígado!
E ele tinha ganho um prêmio na escola e tocou piano pra minha mãe ver e tinha entrado na aula de natação.
Quando ele começou a contar que ia à Disneylândia nas férias e que ele tinha ganho um aparelho de video-cassete eu até levantei da mesa e disse que ia vomitar.
E fui pro meu quarto e me tranquei lá em cima e fingi que não ouvia quando minha mãe me chamou.
Mas depois de um tempo eu comecei a ouvir um berreiro, minha mãe falava sem parar e fui descendo a escada devagar e eu ouvi minha avó dizer pra minha mãe:
- Foi o Armandinho... ele quebrou a cabeça do Pacheco...
Eu podia perceber que a minha vó estava muito sem jeito. Pudera! Pacheco era meu pai. Se o Armandinho tinha quebrado a cabeça do meu pai...
Eu não sabia ao que fazer e eu só ouvia o Amandinho
chorando feito um bezerro desmamado.
Aí eu fiquei preocupado, que eu nem sabia que o meu pai estava em casa e eu não ouvia a voz dele...
“Será que meu pai morreu?” eu pensei, e fiquei aflitíssimo com essa idéia.
E aí eu cheguei na sala e estava aquela zona!
O Armandinho chorando, no colo da minha vó.
Minha mãe abaixada junto ao piano catando uma coisa que eu não sabia o que era.
E eu já entrei gritando:
- Cadê meu pai? Meu pai morreu?
Minha mãe ficou muito assustada e correu pra mim:
- Seu pai morreu? Que é que você está dizendo?
E eu então percebi o que tinha acontecido e comecei a rir que não parava mais.
Cheguei a sentar no chão de tanto rir.
É que o Armandinho tinha quebrado a cabeça do meu pai, sim. Mas não era a cabeça dele mesmo. Era a cabeça de gesso que tinha em cima do piano e que era de um tal de Beethoven...

Pra vencer certas pessoas

Uma vez um vaqueiro por nome de Pedro se empregou num convento de irmãos. De tanto lidar com os frades, Pedro foi ficando muito amigo deles.
De todos os irmãos, Pedro gostava mais era de frei Damião, o mais sábio de quantos sábios havia no convento.

Frei Damião sabia da chuva e sabia do sol.
Sabia das colheitas e das semeaduras.
Sabia de histórias de reis e de rainhas, de cavaleiros e damas, de castelos e de dragões. Frei Damião sabia de tudo!

A fama do frade acabou chegando no palácio do rei.
E o rei ficou curioso para conhecer frei Damião.
E mandou chamá-lo, porque queria lhe fazer três perguntas.
Os reis, antigamente, parece que não tinham nada para fazer.
Então eles gostavam muito dessas histórias de fazer perguntas pra ver se as pessoas sabiam as respostas. Perguntavam umas perguntas muito sem jeito, que ninguém entendia direito. E se as pobres vítimas não sabiam responder, tome castigo!

Frei Damião foi se preparando para ir falar com o rei.
Mas Pedro estava com muito medo:
- Frei Damião – ele disse – o senhor não devia de ir, não. Eu sou um roceiro, muito do ignorante, mas eu conheço esses reis. Eles querem perguntar umas bobagens pro senhor. E se o senhor não responder do jeitinho que eles gostam, o senhor está perdido!
- Que é isso, meu filho? – o frei espantou-se. - Eu só posso responder ao rei as coisas que eu sei. E quem diz a verdade não merece castigo! Todo mundo sabe!
- Todo mundo, menos o rei! Essa gente poderosa não quer ouvir a verdade, não! O que eles querem é uma mentirinha bonitinha, engraçadinha, que agrade a eles. Sabe de uma coisa, frei? Eu é que vou no seu lugar! O rei não conhece o senhor. Ninguém na corte conhece o senhor. Eu me disfarço de frade e vou. Garanto que vou saber as respostas que o rei quer.

Frei Damião não permitiu de jeito nenhum que Pedro fosse. Mas, de madrugada, Pedro saiu bem de mansinho, sem que ninguém visse, e foi para a corte vestido de frade.

O rei recebeu Pedro muito bem e nem desconfiou de nada:
- Muito bem, frei Damião, está pronto para responder às minhas perguntas?
Pedro fez que sim com a cabeça.
Então o rei começou:
- Está vendo aquele morro, detrás do meu palácio?
Pedro olhou pela janela e viu.
- Pois me diga, meu bom frade, quantos cestos são precisos para carregar toda aquela terra para o outro lado do palácio?
Pedro fingiu que estava pensando, mas por dentro ele estava era rindo:
- Depende, Majestade!
- Depende de quê, frei Damião?
- Pois depende do tamanho do cesto, Majestade. Se o cesto for do tamanho do morro, basta um. Se for a metade do morro, é preciso dois.
O rei ficou embasbacado. Nunca ninguém tinha conseguido responder àquela pergunta. Mas ele não podia responder que estava errado. Então pensou, e tornou a perguntar:
- Pois me diga lá, meu bom irmão, onde é que fica o centro do universo?
Pedro sabia muito bem que ninguém tinha idéia de que tamanho era o universo, quanto mais onde era o centro...
Mas ele sabia, também, que os reis são muito convencidos e acham que são a coisa mais importante do mundo.
Então Pedro, muito sem-vergonha, respondeu:
- Ora, meu rei, essa pergunta é fácil! Todo mundo sabe que o centro do universo é onde está sua Majestade...
O rei ficou todo prosa pela resposta de Pedro e começou a achar que aquele fradinho era muito sabido, mesmo. E ele veio com a pergunta mais difícil de todas:
- Vamos lá, me responda, frei Damião, o que é que eu estou pensando?
No que o rei perguntou, Pedro coçou a cabeça, olhou de lado pro rei e mandou:
- Vossa Majestade está pensando que eu sou o frei Damião, mas sou é o vaqueiro dele.

Foi uma risada só. Todos na corte acharam tanta graça que o rei não teve outro remédio senão rir também.
E deu a Pedro uma porção de presentes e mandou que ele fosse em paz.

Quando Pedro chegou ao convento, encontrou todo mundo muito preocupado.
Frei Damião já estava se preparando para ir atrás dele.
- Que é que houve, homem? Eu já estava ficando assustado com a sua demora.
Pedro sorriu, passou a mão na sua violinha e começou a cantar:

“Quem possui muito poder
Abusa de toda gente.
Por isso, a gente que é fraco,
Tem de ser inteligente...
Não adianta ter razão,
Não adianta estar certo.
Pra vencer certas pessoas
É preciso ser esperto!”

Gabriela e a Titia

Gabriela menina.
Gabriela levada...
Ô menina encapetada!

Gabriela foi passear com a titia.
A titia de Gabriela é engraçada,
gorducha, tagarela. Mas Gabriela não
gosta muito de conversa fiada.
E a titia fala pelos cotovelos...

Titia pára para falar com o peixeiro:
- Bom dia, seu Monteiro!
Que dia lindo, não é?
E patati, patatá...patati, patatá...
A titia não pára de falar...

A titia pára para falar com o padeiro:
- Bom dia, seu Zé Maria! O pão está fresquinho?
O pão está quentinho?
E patati, patatá...Patati, patatá...
A titia não pára de falar.
A titia pára para falar com a florista:
- Bom dia, dona Margarida! Como a loja está
florida! Gabriela só fica olhando...
se aborrecendo...enjoando...
E a titia falando!

Mas nesse dia...
Lá vão Gabriela e a titia.
E encontram uma coisa diferente, interessante realmente!
Um realejo! Desses que tocam umas musiquinhas do tempo do onça, com um macaquinho
engraçado que faz caretas e pede esmolas com
um gorro na mão.
Gabriela ficou encantada!

Mas a titia está apressada:
- Vamos embora, menina! Tenho tanto que fazer!
Preciso comprar um fio de linha...
Preciso comprar um alfinete...
Preciso comprar um selo do correio...
E lá vai a titia com a Gabriela pela mão.

A GABRIELA?
Lá se vai a titia com o macaco pela mão!
- Vamos embora, menina! Tenho que
comprar comida para o papagaio!

E Gabriela escapa para o outro lado.
Vai se encontrar com os amigos.
A turma da Gabriela é de amargar:
o Marcelo, a Mariana,
o Caloca, a Luciana,
Geraldinho, Valdemar.

Vamos brincar de esconder?
Gabriela convida.
E a turma toda vai brincar de esconder.

Enquanto isso, lá vai a titia ao bazar do seu
Maluf.
Seu Maluf olha espantado.
Dona Zulmira puxando um macaco pela mão!

Coitada de Dona Zulmira! Está ficando
caduca...” – ele pensa.
- “E o pior é que ela conversa com o macaco”!

A titia é distraída e nem olha para
Gabriela.
“Seu Maluf está esquisito...” – ela pensa...
“Está ficando caduco, coitado!
Olhando pra mim de um jeito gozado...”
Tia Zulmira sai do bazar. Vai pela rua puxando o macaco pela mão.
E o macaco estende pra todo mundo o
Gorrinho. Pedindo um dinheirinho...

As pessoas olham espantadas para a
tia Zulmira. Ela cumprimenta todo
mundo muito séria.
Vai puxando o macaquinho, que vai fazendo caretas pra todo lado.

Gabriela e a turminha já brincaram de tudo.
Já foram ao parque de diversões andar
de roda-gigante, já empinaram papagaio,
já andaram de barco na represa...
Só que começou a escurecer.
Todo mundo correu pra casa pra jantar.

Olhe lá a tia com o macaco pela mão. Já tem
uma porção de gente atrás dela.
E ela nem percebeu! Gabriela chega junto da tia
Zulmira.
Xii! Lá vem o homem do realejo!
Gabriela tira a mão do macaco
da mão da titia. Solta o macaco
e põe a sua mão no lugar.

E a titia? A titia não percebe nada!
A titia não pára de falar:
Patati, patatá! Patati, patatá!

Dona Zulmira levaGabriela para casa:
- Gostou do passeio, minha filha?
- Gostei muito, titia! Você nem pode
imaginar como eu me diverti...
Gabriela menina.
Gabriela levada...
Ô menina encapetada!

Procurando firme

Uma história que parece história de fadas mas não é. Também parece história para criança pequena mas não é.

- Esta é uma história de um príncipe e de uma princesa.
- Outra história de príncipe e princesa? Puxa vida! Não há quem agüente mais essas histórias! Dá um tempo!
- Espera um pouco, ô! Você não sabe ainda como a história é.
- Ah, isso eu sei! Aposto que tem castelo!
- Ah, tem, castelo tem.
- E tem rei e rainha.
- Ah, rei e rainha também tem.
- Vai me dizer que não tem dragão!
- Bom, pra falar a verdade tem dragão!
- Puxa vida! E você vem dizer que não é uma daquelas histórias chatíssimas, que a princesa fica a vida inteira esperando o príncipe encantado?
- Ah, vá, deixa eu contar. Depois você vê se gosta. Que coisa! Desde que o Osvaldinho inventou essa de “não li e não gostei” você pegou a mesma mania...
- Então tá! Conta logo, vai!

“Era uma vez um castelo, com rei, rainha, príncipe, princesa, muralha, fosso em volta, ponte levadiça e um terrível dragão na frente da porta do castelo, que não deixava ninguém sair.”
- Mas como não deixava?
- Sei lá. A verdade é que ele parecia muito perigoso.
E cada pessoa via um perigo no dragão.
Uns reparavam que ele tinha unhas compridas, outros reparavam que ele tinha dentes pontudos, um tinha visto que ele tinha um rabo enorme, com a ponta toda cheia de espinhos... tinha gente que achava que ele era verde, outros achavam que era amarelo, roxo, cor-de-burro-quando-foge... E saía fogo do nariz dele. Saía, sim! Por isso ninguém se atrevia a cruzar o pátio para sair de dentro das muralhas.”

“ Mas o príncipe desde pequeno, estava sendo treinado para sair um dia do castelo e correr mundo, como todo príncipe que se preza faz.
Ele tinha professor de tudo: professor de esgrima, que ensinava o príncipe a usar a espada; professor de berro...”
- Professor de berro? Essa eu nunca ouvi!
- Ouviu sim. Nos filmes de Kung Fu, ou nas aulas de caratê os caras dão sempre uns berros, que é pra assustar o adversário.
Tinha aula de berro. Tinha aula de corrida, que era para atravessar bem depressa o pátio e chegar logo no muro... tinha aula de alpinismo, que é a arte de subir nas montanhas e que ele praticava nas paredes do castelo; tinha aula de tudo quanto é língua, tudo era para quando ele saísse do castelo e fosse correr mundo pudesse falar com as pessoas e entender o que elas diziam...Tinha aula de andar a cavalo, de dar pontapés...Tinha aula de natação, que era para atravessar o fosso quando chagasse a hora, tinha aula do uso de cotovelo...”

- Ah, essa não! Você está inventando tudo isso. Nunca ouvi falar no uso do cotovelo!
- Pois o príncipe tinha aula. Ensinavam pra ele esticar o braço dobrado, com cotovelo bom espetado e cutucar quem ficasse na frente.
E tinha aula de cuspir no olho... e ele até esfregava o joelho no chão, que é para o joelho ficar bem grosso e não machucar muito quando ele caísse. E ele aprendia a não chorar toda hora, que ás vezes chorar é bom, mas chorar demais pode ser uma bruta perda de tempo. E quem tem que fugir de dragão, espetar dragão, enganar dragão, não tem tempo para ficar choramingando pelos cantos.

Enquanto isso a princesinha, irmã do príncipe, que era linda como os amores e tinha os olhos mais azuis que o azul do céu, e tinha os cabelos mais dourados do que as espigas do campo e que tinha a pele branca como as nuvens nos dias de inverno...”

- Branca como as nuvens do inverno? Por que no inverno? Não pode ser no verão?
- Ah, não pode, não. Nuvem no verão é nuvem de chuva. Portanto é escura...
- É, mas nos países frios, no inverno as nuvens são escurinhas...
- Olha, vamos parar com essas discussões que não levam a nada. No máximo encompridam o livro e fazem ele muito chato...A pele da princesa era branca, pronto. E as mãos da princesa eram macias como... Ah, não importa. As mãos eram macias, os pés eram pequenos, e a voz da princesa era maviosa.
- Maviosa?
- É, maviosa, melodiosa! Eu sei que essa palavra não se usa mais, mas se eu não usar umas palavras bonitas, meio difíceis, vão ficar dizendo que eu não incentivo a cultura dos leitores.
- E o que é que a princesa fazia o dia inteiro?
- A princesa se ocupava de ocupações principescas, quer dizer, a princesa tomava aulas de canto, de bordados, de tricô, de pintura em cerâmica. A princesa fazia cursinhos de iniciação à poesia de Castro Alves, estudava um pouquinho de piano, fazia flores de marzipã...
- O que é marzipã?
- Ah, mazipã é um doce muito caro, que ninguém come mais, que não há dinheiro que chegue...
E ela aprendia a enfeitar bolos, a fazer crochê com fios de cabelo...
- Com fios de cabelo?
- Pois é, naquele reino era muito bonito ter prendas...
- Prendas?
- É, dotes...
- Dotes?
- É, saber fazer coisas que não servem pra nada, que é pra todos saberem que a pessoa é rica... só faz as coisas pra se distrair... Se uma pessoa estuda datilografia, por exemplo, tá na cara que ela vai trabalhar em alguma coisa...Ou se ela entra num curso de medicina, de engenharia, de confecção industrial... aí está claro que ela quer trabalhar, ganhar a vida, ganhando dinheiro, sacou? Agora, de ela estuda frivolitê, por exemplo, tá na cara que ela está só se distraindo, deixando o tempo passar...
- E pra que uma pessoa quer deixar o tempo passar?
- Bom, as pessoas em geral eu não sei. Agora, a princesa da nossa história estava deixando o tempo passar que é pra esperar um príncipe encantado que vinha derrotar o dragão e casar com ela. Até estava deixando o cabelo crescer pra fazer que nem a Rapunzel, que jogava as tranças para o príncipe subir por elas.

Aí chegou o dia do príncipe sair para correr mundo. Ele não quis levar muita bagagem, para não ficar pesado. Saiu de madrugada, bem cedinho. E lá se foi correndo, dando cotoveladas, cuspindo no olho de quem passasse perto. Passou pelo dragão, escalou o muro do palácio, caiu do outro lado, nadou pelo fosso, subiu na outra margem e se foi pelo mundo, procurando, não sei bem o quê, mas procurando firme.
- E a princesa?
- A princesa continuava esperando.

E tanto esperou que um dia apareceu em cima do muro do castelo um príncipe com cara de encantado que desceu por umas cordas, deu umas cutucadas no dragão, montou uma bicicleta desmontável que ele tinha trazido, atravessou o pátio inteirinho e subiu pelas tranças da princesa, que estava fazendo força para parecer graciosa com aquele marmanjão subindo pelas tranças dela acima. No que o príncipe chegou lá em cima já foi fazendo uns salamaleques para a princesa e já foi perguntando se ela queria casar com ele.
Mas a princesa estava desapontada! Aquele não era o príncipe que ela estava esperando! Até que ele não era feio, tinha umas roupas bem bonitas, sinal que devia ser meio riquinho, mas era meio grosso, tinha um jeitão de quem achava que estava abafando, muito convencido!

A princesa torceu o nariz.
O pai e a mãe da princesa ficaram muito espantados, ainda quiseram consertar as coisas, disfarçar o nariz torto da princesa, que eles estavam achando o príncipe bem jeitoso... Afinal ele era o príncipe da Petrolândia, um lugar que tinha um óleo fedorento que todo mundo achava que um dia ia valer muito dinheiro...
Então a mãe da Linda Flor (a princesa se chamava Linda Flor, eu já contei?) chegou junto da filha, deu-lhe um cutucão disfarçado e disse com uma voz mais melosa que doce de coco:
- Filhinha, filhinha, vai fazer uma baba-de-moça pro moço, vai...
- Ai, mãe, não vou não, estou com preguiça.
- Que é isso, minha filha, você nunca, nunquinha na sua vida teve preguiça... Então vai fazer uns fiozinhos d’ovos pro moço ver como você é prendada...
- Ai, mãe, não vou não, não estou a fim de agradar esse moço. Acho ele muito chato...

“ A mãe mais o pai de Linda Flor ficaram brancos de susto...Afinal, se a filhinha deles não agradasse os moços que apareciam para salvá-la, como é que ela ia arranjar casamento? Então o pai virou fera:

- Anda logo, menina, vai preparar um vatapazinho pro moço. Já e já!
- Olha aqui pai, eu até posso fazer vatapá, sarapatel, caruru, qualquer coisa, mas tire o cavalinho da chuva que com esse príncipe eu não vou casar.

A essa altura o príncipe também já estava tão cheio daquela princesa que não agradava ele mesmo, que foi embora e não voltou mais, para tristeza dos reis e grande alívio de Linda Flor.
E então, num outro dia, apareceu um outro príncipe em cima do muro, deu um pulo por cima do dragão, jogou areia nos olhos dele e subiu pelas tranças de Linda Flor, que agüentou firme o peso do príncipe, mas nem fez força para parecer graciosa.
O príncipe chegou, coisa e tal, deu uma palavrinha com o rei, fez uns elogios à rainha, deu umas piscadas pra Linda Flor e já foi perguntando se ela queria casar com ele.
Esse príncipe também não era feio, também era bem vestidinho, tinha até uma pena de galinha no chapéu, levava jeito de ser bom moço, mas Linda Flor não estava gostando dele.
- Como não gostava dele?
- Ah, sei lá, não gostava e pronto!

Então a mãe pediu com jeitinho:
- Linda Florzinha, minha filha, vai buscar os desenhos chineses que você fez pra mostrar pro moço, vai...
Linda Flor, nada!
- Filhinha querida, vai buscar as fotos do seu batizado pro moço ver, vai...
Linda Flor, nada!
O pai interveio:
- Vai, minha filha, vai buscar as bolsas de macramé que você fez para os pobres da Cochinchina, pra mostrar pro moço...
Linda Flor respondeu:
- Olha aqui. Eu posso mostrar as bolsas de macramé, os vestidos de paetê, as capas de plissê que eu fiz. Mas casar com esse cara eu não caso!
Os pais de Linda Flor urraram de ódio! Que o príncipe era um bom partido, filho de rei de Computolândia, e todo mundo achava que mais tarde ou mais cedo os negócios deles iam dar um bom dinheiro.

E assim muitos príncipes vieram, muitos príncipes se foram. Linda Flor já nem jogava as traças pra eles subirem. Tinha posto uma escada na janela que era mais prático.

Para falar a verdade, com grade susto dos pais, Linda Flor tinha cortado os cabelos e estava usando um penteado esquisitíssimo copiado de povos longínquos de Africolândia.

E as roupas de Linda Flor? Ela não usava mais aqueles lindos vestidos de veludo com entremeios de renda e beiradas de arminho que agente vê nas figuras dos contos de fadas.
Ela agora estava usando... calças compridas!

- E pra que ela usava calças compridas?
- Ah, não vou dizer ainda pra não perder a graça.

Ela usava calças compridas, que nem o príncipe. E estava diferente, não sei, queimada de sol, logo ela que era tão branquinha!”
Os professores estavam se queixando que ela não ia mais às aulas de craquelê, nem às aulas de etiqueta, nem às aulas de minueto. E a corte inteira se espantava com a modificação da princesa, que deu para rir alto e até se intrometia nas conversas dos mais velhos. Até nas conversas dos ministros sobre política ela deu para dar palpites! E não queria mais ser chamada de Linda Flor.
- Que nome mais careta! Quero que me chamem de Teca, de Zaba, de Mari, um nome mais moderninho!”

E então um dia, todo mundo no palácio levou um grande susto.
No meio da manhã, na hora em que princesas delicadas ainda estão dormindo, ouviu-se o maior berro.
- Berro?
- É, berro! E berro de princesa!

- Que foi que aconteceu? – perguntava um.
- Será que a princesa está em perigo? – perguntava outro.
- Não parece perigo, não! – dizia um terceiro. – Ela está berrando igualzinho como berrava o príncipe...
E os berros continuavam, cada vez mais fortes. E todos correram na direção de onde vinham os berros e que era lá em cima do castelo.
O primeiro que chegou foi o rei.
E ficou espantadíssimo quando viu a princesa, correndo de um lado pro outro, de espada na mão, dando aqueles gritos medonhos que ele tinha ouvido lá do outro lado do castelo:
- Mas o que é isso? Que história é essa? O que é que está acontecendo?
A princesa parou de correr, enxugou a testa com as costas da mão e sorriu, muito contente:
- Ah, pai, nem queira saber! Que barato! Estou tendo umas aulas com os instrutores de meu irmão. Estou aprendendo esgrima, estou aprendendo a correr, estou aprendendo berro...
A rainha que já vinha chegando, parou horrorizada:
- Aprendendo berro?
E a rainha desmaiou ali mesmo, mas ninguém se incomodou muito porque a rainha adorava desmaiar. Aliás ela vivia dizendo que a princesa precisava tomar umas aulas de desmaio, que era muito útil desmaiar nas horas certas.

E a princesa continuou a explicar:
- Pois é, estou aprendendo tudo que é preciso para poder sair deste castelo e correr mundo como meu irmão.
- Correr mundo? – perguntou o rei quase desmaiando também. Mas não desmaiou porque lembrou que homem não desmaia.
- Correr mundo? – perguntou a rainha, que já tinha acordado porque estava muito curiosa de ouvir as explicações da princesa.
- É isso mesmo, correr mundo! Eu estou muito cansada de ficar neste castelo esperando que um príncipe qualquer venha me salvar. Eu acho muito mais divertido sair correndo mundo como os príncipes fazem. E se eu tiver que casar com alguém eu encontro por aí, que o mundo é bem grande e deve estar cheio de príncipes pra eu escolher.
- Mas minha filha – gaguejou a rainha – onde é que já se viu? E os perigos? E os dragões? E as mula-sem- cabeça?
- Pois é por causa dos perigos e dos dragões e das mulas-sem-cabeça que estou tomando aulas que é pra me defender! Eu estou ótimas nas cabeçadas e nos rabos-de-arraia. Só está faltando eu treinar um pouquinho pulos com varas e uns gritos de comando.
- Gritos de comando?
- Pois é, não adianta agente só dar uns gritos. É preciso dar os gritos com convicção, quer dizer, com confiança de que vai ser obedecido, senão não dá resultado. Quer ver?
- JÁ PRA BAIXO, CAMBADA!
No que a princesa gritou, todo mundo começou a descer as escadas correndo, na maior aflição.
E a princesa, satisfeita, apertou a mão do instrutor de berro.
- Os berros já estão no ponto, também – ela disse.
O palácio ficou em polvorosa com a notícia. Só se viam pessoas cochichando:
- Pois é como eu lhe digo. A princesa...
- Eu estou lhe dizendo. A princesa...
- Sabe que a princesa...
E a princesa continuava com seus treinos, todos os dias, sem desanimar.
Até que um dia...
Chegou o dia da princesa sair para correr mundo.
Ela não quis levar muita bagagem, para não ficar pesada. Saiu de madrugada, bem cedinho. Passou pela porta da frente e lá se foi a princesa, correndo, passando rasteira, jogando pedras. Quando chegou perto do dragão deu três pulos, que ela tinha aprendido no balé, chegou perto do muro, deu um salto de vara, passou por cima da muralha, empurrou para a margem do fosso uma canoa que estava perto, remou com força e foi sair do outro lado. Pulou na margem, acenou para as pessoas que estavam olhando do castelo e se foi, pelo mundo, procurando, não sei o quê, mas procurando firme!

O que os olhos não vêem

Havia uma vez um rei
num reino muito distante,
que vivia em seu palácio
com toda a corte reinante.
Reinar pra ele era fácil,
ele gostava bastante.

Mas um dia, coisa estranha!
Como foi que aconteceu?
Com tristeza do seu povo
nosso rei adoeceu.
De uma doença esquisita,
toda gente, muito aflita,
de repente percebeu...

Pessoas grandes e fortes
o rei enxergava bem.
Mas se fossem pequeninas,
e se falassem baixinho,
o rei não via ninguém.

Por isso, seus funcionários
tinham de ser escolhidos
entre os grandes e falantes,
sempre muito bem nutridos.
Que tivessem muita força,
e que fossem bem nascidos.
E assim, quem fosse pequeno,
da voz fraca, mal vestido,
não conseguia ser visto.
E nunca, nunca era ouvido.

O rei não fazia nada
contra tal situação;
pois nem mesmo acreditava
nessa modificação.
E se não via os pequenos
e sua voz não escutava,
por mais que eles reclamassem
o rei nem mesmo notava.

E o pior é que a doença
num instante se espalhou.
Quem vivia junto ao rei
logo a doença pegou.
E os ministros e os soldados,
funcionários e agregados,
toda essa gente cegou.

De uma cegueira terrível,
que até parecia incrível
de um vivente acreditar,
que os mesmos olhos que viam
pessoas grandes e fortes,
as pessoas pequeninas
não podiam enxergar.

E se, no meio do povo,
nascia algum grandalhão,
era logo convidado
para ser o assistente
de algum grande figurão.
Ou senão, pra ter patente
de tenente ou capitão.
E logo que ele chegava,
no palácio se instalava;
e a doença, bem depressa,
no tal grandalhão pegava.

Todas aquelas pessoas,
com quem ele convivia,
que ele tão bem enxergava,
cuja voz tão bem ouvia,
como num encantamento,
ele agora não tomava
o menor conhecimento...

Seria até engraçado
se não fosse muito triste;
como tanta coisa estranha
que por esse mundo existe.

E o povo foi desprezado,
pouco a pouco, lentamente.
Enquanto que próprio rei
vivia muito contente;
pois o que os olhos não vêem,
nosso coração não sente.

E o povo foi percebendo
que estava sendo esquecido;
que trabalhava bastante,
mas que nunca era atendido;
que por mais que se esforçasse
não era reconhecido.

Cada pessoa do povo
foi chegando á convicção,
que eles mesmos é que tinham
que encontrar a solução
pra terminar a tragédia.
Pois quem monta na garupa
não pega nunca na rédea!

Eles então se juntaram,
Discutiram, pelejaram,
E chegaram à conclusão
Que, se a voz de um era fraca,
Juntando as vozes de todos
Mais parecia um trovão.

E se todos, tão pequenos,
Fizessem pernas de pau,
Então ficariam grandes,
E no palácio real
Seriam logo avistados,
Ouviriam os seus brados,
Seria como um sinal.

E todos juntos, unidos,
fazendo muito alarido
seguiram pra capital.
Agora, todos bem altos
nas suas pernas de pau.
Enquanto isso, nosso rei
continuava contente.
Pois o que os olhos não vêem
nosso coração não sente...

Mas de repente, que coisa!
Que ruído tão possante!
Uma voz tão alta assim
só pode ser um gigante!
- Vamos olhar na muralha.
- Ai, São Sinfrônio, me valha
neste momento terrível!
Que coisa tão grande é esta
que parece uma floresta?
Mas que multidão incrível!

E os barões e os cavaleiros,
ministros e camareiros,
damas, valetes e o rei
tremiam como geléia,
daquela grande assembléia,
como eu nunca imaginei!

E os grandões, antes tão fortes,
que pareciam suportes
da própria casa real;
agora tinham xiliques
e cheios de tremeliques
fugiam da capital.

O povo estava espantado
pois nunca tinha pensado
em causar tal confusão,
só queriam ser ouvidos,
ser vistos e recebidos
sem maior complicação.

E agora os nobres fugiam,
apavorados corriam
de medo daquela gente.
E o rei corria na frente,
dizendo que desistia
de seus poderes reais.
Se governar era aquilo
ele não queria mais!

Eu vou parar por aqui
a história a que estou contando.
O que se seguiu depois
cada um vá inventando.
Se apareceu novo rei
ou se o povo está mandando,
na verdade não faz mal.
Que todos naquele reino
guardam muito bem guardadas
as suas pernas de pau.

Pois temem que seu governo
possa cegar de repente.
E eles sabem muito bem
que quando os olhos não vêem
nosso coração não sente.

Faz muito tempo

Foi em 1500, em Portugal, do outro lado do mar.
Havia um menino chamado Pedrinho.
E havia o mar.
Pedrinho amava o mar.
Pedrinho queria ser marinheiro.
Tinha alma de aventureiro.

Perguntava sempre para o pai:
- O que é que há do outro lado do mar?
O pai sacudia a cabeça:
- Ninguém sabe, meu filho, ninguém sabe...
Naquele tempo, ninguém sabia o que havia do outro lado do mar.

Um dia, o padrinho de Pedrinho chegou.
O padrinho de Pedrinho era viajante.
Chegou da Índias.
Trouxe de suas viagens coisas que as pessoas nunca tinham visto...
Roupas bordadas de lindas cores...
Doces de gostos diferentes...
E os temperos, que mudavam o gosto da comida?
E as histórias que ele contava?
De castelos, de marajás, de princesas, de tesouros...
Pedrinho ouvia, ouvia e não se cansava de ouvir.
Até que o padrinho convidou:
- Ó menino, tu queres ser marinheiro?
Pedrinho arregalou os olhos.
- Não tens medo, ó Pedrinho?
Pedrinho bem que tinha medo.
Mas respondeu:
- Que nada, padrinho, homem não tem medo de nada.
- Pois, se teu pai deixar, embarcamos na semana que vem.
- Pra onde, padrinho?
- Para o outro lado do mar, Pedrinho.

Quando chegaram ao porto, que beleza!
Quantas caravelas, de velas tão brancas!
Pedrinho nunca tinha visto tantos navios juntos.
- Quantos navios, padrinho! Para onde vão?
- Pois vão conosco, Pedrinho, vão atravessar o mar.

Pedrinho embarcou.
No dia da partida houve grandes festas.
Pedrinho viu, do seu navio, quando o rei, Dom Manoel, se despediu do chefe da expedição, Pedro Álvares Cabral.
E esperaram chegar o vento. E quando o vento chegou, as velas se enfunaram e os navios partiram.

E a grande viagem começou.
Pedrinho gostou logo do seu trabalho.
Para Pedrinho, era o mais bonito de todos.
Ficar lá em cima do mastro mais alto, numa cestinha, e ir avisando tudo o que via.
Aprendeu logo as palavras diferentes que os marujos usavam e, logo que havia alguma coisa, gritava, muito importante:
- Nau capitânia a bombordo...
- Baleias a estibordo...

Depois de alguns dias, Pedrinho viu ao longe as ilhas Canárias, mais tarde, as ilhas de Cabo Verde.
E depois não se viu mais nenhuma terra.
Somente céu e mar, mar e céu.
E peixes, que pulavam fora da água, como se voassem.
E baleias, que passavam ao longe, espirrando colunas de água.
Pedrinho viu noites de lua, quando o mar parecia um espelho.
E noites de tempestade, quando as ondas, enormes, pareciam querer engolir o navio.
E dias de vento, e dias de calmaria.

Até que um dia...
Até que um dia, boiando sobre as águas, Pedrinho avistou alguma coisa.
O que seria?
Folhas, galhos, parecia.
De repente, uma gaivota, voando seu vôo branco contra o céu.
Pedrinho sabia o que isso queria dizer:

- Sinais de terra!!!
Todos vieram olhar e houve grande alegria.
- Sinais de terra!!!
E todos trabalharam com mais vontade.
Até que, no outro dia, Pedrinho avistou, ao longe, o que parecia um monte.
E gritou o aviso tão esperado:

- Terra à vista!
E como era o dia da Páscoa, o monte recebeu o nome de Monte Pascoal.

E no outro dia chegaram mais perto e viram.
A praia branca, a mata fechada...

- Deve ser uma ilha – diziam todos.
Pedrinho, lá do alto, enxergava melhor:
- A praia está cheia de gente...

Os navios procuraram um lugar abrigado e lançaram suas âncoras.
E esse lugar se chamou Porto Seguro.
E Pedrinho viu o que havia do outro lado do mar.
Era uma terra de sol, terra de matas, terra de mar...

Do outro lado do mar viviam pessoas.
Homens, mulheres, meninos, meninas.
Todos muito morenos, enfeitados de penas, pintados de cores alegres: índios.

Viviam pássaros de todas as cores.
Cobras de todos os tamanhos.
Feras de todas as bravezas.
Do outro lado do mar viviam meninos índios que pensavam:
- O que é que existe do outro lado do mar?

Pedrinho conheceu os meninos e ficaram logo amigos.
Mas uns não entendiam o que os outros diziam.
Pedrinho dizia:
- Menino.
O menino índio respondia:
- Curumim.
Pedrinho dizia:
- Menino moreno.
O indiozinho respondia:
- Curumim-tinga.
E o indiozinho queria dizer:
- Menino branco.

Pedrinho levou uma galinha para os índios verem.
Os índios tiveram medo.
Mas, depois, gostaram da galinha e quiseram ficar com ela.
Pedrinho deu a galinha aos meninos.

Os meninos deram a Pedrinho uma ave engraçada que dizia:
- Arara... Arara... – e era verde e amarela.
Pedrinho disse:
- Vou chamar este pássaro de 22 de abril, porque foi o dia em que nós chegamos.
A terra ficou se chamando Ilha de Vera Cruz.
Porque todo mundo pensava que era uma ilha.

Depois, os portugueses levantaram na praia uma grande cruz e rezaram uma missa.
Os índios não sabiam o que era missa, mas acharam bonito.
E faziam todos os movimentos e gestos dos portugueses.

E, depois, as caravelas tiveram que partir para as Índias, mas uma voltou para Portugal...
Para contar ao rei Dom Manuel, o Venturoso, as aventuras que tinham vivido: as histórias da linda terra descoberta por Pedro Álvares Cabral.
E Pedrinho, do alto do mastro, deu adeus aos seus amigos índios.
Levava como lembrança a arara.
E pensava:
- Quando eu crescer, eu vou voltar para ficar morando aqui.
E foi o que aconteceu.

Um dia, Pedrinho voltou para a terra descoberta.
E a terra era a mesma, mas seu nome tinha mudado.
O novo nome era Brasil.
E foi no Brasil que Pedrinho viveu feliz por muitos e muitos anos...

A escolinha do Mar

A escola de dona Ostra fica lá no fundo do mar.
Nesta escola, as aulas são muito diferentes.

O Dr. Camarão, por exemplo, dá aulas aos peixinhos menores:
- Um peixe inteligente presta atenção àquilo que come. Não come minhoca com anzol dentro. Nunca!

O peixe elétrico ensina a fazer foguetes:
- Quando nosso foguete ficar pronto, vamos à terra.
Os homens não vão a Lua?

E o maestro Villa-Peixes ensina aos alunos lindas canções:
“Como pode o peixe vivo
Viver fora d’ água fria...”

Os alunos desta escola não são apenas peixes.
Há, por exemplo, Estela, a pequena estrela-do-mar, tão graciosa, que é a primeira aluna da aula de balé.

Há Lulita, a pequena lula, que é a primeira em caligrafia porque já tem, dentro dela, pena e tinta.

E há o siri-patola, que só sabe andar de lado e por isso nunca acompanha a aula de ginástica.

Mas nem todos os alunos são bem-comportados.
Quando o Dr. Camarão se distrai, escrevendo na concha, Peixoto, o peixinho vermelho, solta bolhas tão engraçadas que os outros riem, riem.
O Dr. Camarão se queixa:
- Estes meninos estão ficando muito marotos, fazem estripulias nas minhas barbas!

No fim do ano, Dona Ostra, que é uma professora muito moderna, leva seus alunos para uma excursão pelo fundo do mar.

Naquele ano, os preparativos para a excursão foram animadíssimos.
Vocês sabem, o melhor da festa é esperar por ela.

Um grande ônibus foi contratado para levar os alunos e professores.
Ônibus marítimo, é claro, puxado por cavalos-marinhos.

No dia da partida, todas as mamães foram despedir-se dos filhinhos e todas faziam muitas recomendações:

- Veja lá, hein? Não vá chegar à beira do ar, e cuidado com as gaivotas!
- Meu filho, não chegue perto do peixe-elétrico quando ele estiver ligado. É muito perigoso!
- Adeus, adeus, boa viagem, aproveitem bem!

E eles aproveitaram mesmo.
Que beleza é o fundo do mar!
E como aprenderam!
- Veja, dona Ostra, que peixão tão grande, dando de mamar ao peixinho!

- Aquilo não é peixe, não, é uma baleia. As baleias são de outra família. Aparentadas com o homem. Por isso dão de mamar aos filhotes.

E aprenderam muitas outras coisas.
Viram os peixes-voadores, que davam grandes mergulhos no ar; viram os golfinhos, que são parentes das baleias, inteligentíssimos.

E os tubarões, muito emproados, que andam sempre com seus ajudantes, os peixes-pilotos.

O mais emproados de todos é o Barão Tubarão.
Mora num grande castelo de madrepérola, com seu filho, o Tubaronete.

Naquela noite, acamparam perto do castelo do Barão.
Todos ajudaram a armar o acampamento e, quando tudo ficou pronto, juntaram-se e começaram a cantar;
“Roda, roda, roda,
pé, pé, pé.
Caranguejo só é peixe
Na enchente da maré...”

Ouvindo aquela cantoria, o Tubaronete veio espiar o que havia.
Ele era um peixe muito mal-educado, não ia á escola, nem nada, era um verdadeiro “play-peixe”.

Começou a caçoar de todos, a imitar o jeito de cada um, que é uma coisa muito feia.
Dona Ostra ficou aborrecida.
- Olhe aqui, menino, se você quiser, pode ficar, mas tem que se comportar direitinho, como os outros.

Tubaronete era mesmo muito mal-educado.
Avançou para dona Ostra, vermelhinho de raiva:
- Eu não preciso de vocês, seus peixes de água doce, seus peixes de lata!

E arrancou a pérola de dona Ostra e fugiu, espirrando água para todos os lados.

Dona Ostra se pôs a chorar:
- Ai, minha pérola! Como é que vou passar sem ela? Já estava tão acostumada...

- Ah, dona Ostra, não se aflija, não - disse Peixoto, que, apesar de pequenininho, era muito valente.
- Eu vou já ao castelo buscar a pérola. Se ele não devolver, falo com o pai dele!
Dona Ostra empalideceu:
- Ai, não vai não! Eu tenho tanto medo de tubarão, ainda mais de tubarão barão.
- Eu vou, sim. Se a gente ficar de braços cruzados, sua pérola não volta nunca mais.

Chegando ao palácio do Barão, Peixoto bateu as barbatanas com toda a força:
PLAC, PLAC, PLAC!
Veio atender ao portão uma senhora enguia, de uniforme preto e touquinha branca na cabeça.

- Boa noite, dona Cobra, diga ao Tubaronete que aqui está o Peixoto, que quer falar com ele sem demora – disse o peixinho.

- Cobra, não! Dobre a língua, ouviu? Meus patrões não têm tempo a perder com senhores Peixotos...
E foi entrando, sem querer escutar o que Peixoto estava dizendo.

Mas Peixoto não desanimou.
Rodeou a casa até que encontrou uma janela meio aberta e foi entrando, mesmo sem convite.
Lá estavam o Barão e o Tubaronete jantando.
Peixoto, com o coração batendo muito, adiantou-se:
- Desculpe, seu Barão, eu ir entrando assim, mas tenho umas contas a ajustar aqui com o seu filho. Cadê a pérola de dona Ostra? Devolva já, já!
Tubaronete até engasgou de susto:
- Eu ia devolver, eu ia, sim! Tome a pérola, eu estava brincando...

O Barão Tubarão levantou-se, furioso:
- De que é que vocês estão falando? Pelo que vejo, o senhor meu filho já aprontou mais uma das suas! É a vergonha da família Tubarão!
Vou-lhe aplicar um castigo tremendo!

Peixoto ficou com pena de Tubaronete:
- Olhe, seu Barão, eu acho que o Tubaronete é assim, por que ele não sabe nada. Por que é que ele não vai á escola como os outros peixes?

O Barão não disse nada, mas, no ano seguinte, Tubaronete foi o primeiro aluno que se matriculou na escola de dona Ostra.

Faz muito tempo que essa história se passou.
Tubaronete já não é mais aquele peixe sem educação que era naquele tempo.

Ele, agora, é aluno de dona Ostra, dos mais aplicados.
É ele quem apaga a concha para os professores, e é agora o melhor amigo do Peixoto.

Os dois combinaram que, quando se formarem, vão ser sócios.
Vão fundar uma grande agência de turismo, para fazerem sempre outras viagens pelo fundo do mar.

Borba, o gato

Borba, o gato, e Diogo, o cão, eram muito amigos.
Desde muito pequenos foram criados no mesmo quintal e, assim, foram ficando cada vez mais unidos.

Brincavam de pegador, de amarelinha e de mocinho e bandido.
Essa era a brincadeira de que eles mais gostavam.
Ás vezes, Borba era o mocinho e Diogo o bandido.
Outras vezes, era o contrário.

Vocês já ouviram falar que duas pessoas brigam como cão e gato?
Pois os nossos amigos nunca brigavam, apesar de serem realmente cão e gato.

De vez em quando, Diogo arreliava um pouquinho Borba, cantando:
- Atirei o pau no ga-to-to, mas o ga-to-to não morreu-reu-reu...
Mas o Borba nem ligava e eles continuavam amigos.

Quando chegou a hora de irem para escola, Diogo, que era um cão policial, resolveu estudar na escola da polícia.

Borba foi cantar a mãe:
- Sabe, mamãe? Eu também vou ser policial.
Dona Gata riu:
- Onde é que já se viu gato policial?
- Ora, mamãe, se existe cachorro policial, por que é que não pode haver gato policial?

Dona Gata explicou:
- Meu filho, gatos são gatos, cachorros são cachorros.
Existe gato siamês, gato angorá...existiu até aquele célebre Gato-de-Botas.
Mas gato policial, isso nunca houve.

- Mas, mamãe, só porque nunca houve não quer dizer que não possa aparecer um.
Afinal, é a minha vocação...

Diogo, todos os dias, trazia exercícios para fazer em casa:
- Hoje eu tenho que descobrir quem é que rouba o leite da casa de dona Marocas. Você quer me ajudar?

Borba sempre queria.
Mas, cada vez que ia ajudar seu amigo, arranjava uma boa trapalhada...
Mas o Borba não desistia:
- Sabe, Diogo?
Eu tenho escutado uns barulhos muito estranhos, de noite. Deve ser algum ladrão. Vamos ver se a gente pega?

E os dois saíram, de madrugada, para pegar o ladrão...
Que não era ladrão nenhum, era só o padeiro!

A mãe de Borba já estava zangada:
- Vamos acabar com esses passeios no meio da noite!
Criança precisa dormir bastante!

- Mas, mamãe, todos os gatos andam à noite pelos telhados.
- Isso são os gatos grandes. Você ainda é muito pequeno.
- Ah, mamãe, assim você atrapalha minha carreira!
E Borba continuava a treinar para policial.

E explicava a Diogo:
- Eu preciso reabilitar a raça felina.
Em todas as histórias, os ratos são bonzinhos e os gatos são malvados. Veja os desenhos animados.
Veja Tom e Jerry! É uma injustiça. Eu vou mostrar a todo mundo que os gatos são grandes homens, quer dizer, grandes gatos...

O tempo passou e Diogo recebeu seu diploma. Ganhou uma linda farda e todas as noites fazia a ronda do bairro:
- PRIIIUUUUU! PRIIIUUUUU!...

Borba ainda tinha esperanças de vir a ser um policial e por isso saía sempre com o seu amigo.
Uma noite, quando vinham passando pela casa do seu Godofredo, viram alguma coisa muito suspeita no telhado:

- O que é aquilo? – perguntou Diogo.
- Desta vez juro que é um ladrão.
- Mas eu não sei subir no telhado.
Como é que eu faço?
- Quem não tem cão caça com gato – disse o Borba.
- Deixa que eu vou.

E subiu pela calha como só os gatos sabem fazer.
Aproximou-se do ladrão por trás e ...
- MIAAAUUUUUU!

O ladrão levou tamanho susto que despencou do telhado, caindo bem em cima do Diogo.
O Borba ainda gritou:
- Cuidado, Diogo!
Se ele te pega, faz cachorro-quente!

Mas o ladrão, que era o ladrão de galinhas, estava tão assustado que não conseguiu nem fugir.

- Está preso em nome da lei! – disse Diogo, todo satisfeito, pois era o primeiro ladrão que ele prendia.

Borba vinha descendo do telhado, todo orgulhoso.
Toda a vizinhança aplaudia os dois amigos:
- Agora podemos dormir sossegados!

Diogo levou seu prisioneiro para a delegacia e explicou, direitinho, como é que tinha prendido o ladrão.

O delegado quis logo conhecer o Borba e deu a ele uma condecoração:
- Parabéns, seu Borba!
O senhor daria um grande policial!

Borba piscou para o Diogo.
E foi admitido na corporação, mesmo sem fazer o curso.

Afinal, ele já tinha dado provas de ser um bom policial.
E ganhou o cargo de guarda dos telhados.

E agora, todas as noites, enquanto Diogo vigia as ruas, Borba cuida do seu setor.

A rua deles é a mais bem guardada da cidade.

Pois tem um policial na rua e um no telhado:
Borba, o gato.

O Menino que Quase Virou Cachorro

Miguel era um menino bacana.

Brincalhão, inteligente, amigo dos amigos.

E ele era muito amigo do Tanaka, um outro menino brincalhão, inteligente e descolado.

Os dois conversavam muito, sobre uma porção de coisas.

Um dia o Miguel disse pro Tanaka:

-Cê sabe, Tanaka, eu acho que eu sou invisível.

-Invisível? Como assim? Eu estou vendo você muito bem...

- Não – disse o Miguel – não sou invisível pra todo mundo, não. Só pros meus pais. Eles olham pra mim, mas acho que eles não me enxergam!

O Tanaka ficou espantado. E então eles combinaram que iriam à casa do Miguel só pro Tanaka ver.

No sábado, na hora do almoço Tanaka chegou, como eles tinham combinado.

Miguel abriu a porta, mandou o amigo entrar e anunciou a todos que já estavam sentados pra almoçar :

-Eu trouxe o Tanaka pra almoçar conosco!

A mãe do Miguel levantou, botou um a cadeira pro Tanaka, foi buscar um prato, um copo e os talheres.

Enquanto isso ia conversando:

-Olá, Tanaka, faz tempo que você não aparece! E sua mãe vai bem? E sua irmã, tão bonitinha, sua irmã...

Mas nem olhou pra Miguel.

Miguel sentou-se, serviu-se, comeu, e ninguém olhou pra ele. Tanaka ficou reparando.

Então o Miguel fez uma pergunta pra pai, mas ele estava prestando atenção à TV e só fez:

-Shhh...

Quando os meninos saíram o Tanaka estava espantado, mas ele disse:

-Acho que as famílias são assim mesmo. Ninguém presta atenção aos filhos...

O Miguel ainda falou:

-Pois é, quando eu saio com mau pai é ainda pior! Mau pai fala comigo como se eu fosse o cachorro “Anda!”, “Anda logo!” “Espera!” “Anda!” “Vem logo!”

Na semana seguinte Miguel saiu com o pai. E como ele tinha dito o pai só dizia “Anda!”, “Vem logo!”


Miguel foi ficando bravo.

Aí quando o pai, mais uma vez disse “Anda!” Miguel latiu:
-Au, au, au, au!

O pai olhou espantado, mas o ônibus estava chegando e eles tomaram o ônibus.

Quando desceram o pai continuou: Anda, para, espera, vem logo!

Miguel latiu outra vez:

-Au, au, au, au!

O pai olhou espantado:

-Que é isso, menino, vem!

E o Miguel:

-Au, au, au, au!

-Pára com isso! – o pai respondeu – Vem!

Miguel resolveu parar, porque achou que o pai estava ficando bravo...

Mas na outra semana havia um casamento de uma prima e o pai levou o Miguel para comprar uma roupa. Nem perguntou o que ele queria. Já foi escolhendo uma calça comprida, uma camisa, um suéter e ... uma gravata.

Miguel não falou nada, porque ninguém perguntou. Mas ele pensou: “Eu não vou botar gravata, nem morto. Eu não sou cachorro pra usar coleira...”

No dia do casamento Miguel tomou banho, se vestiu, calçou os sapatos, que também eram novos, mas não botou a gravata.

O pai dele chamou: “Vem aqui. Miguel chegou perto do pai e disse:

- Eu não quero botar gravata. Parece coleira.

O pai nem respondeu. Ele disse:

-Vem!

E foi botando a gravata no pescoço d Miguel e dando um laço e apertando o laço e o Miguel começou a uivar.

-Aúúúúúúú!

O pai ficou espantado, mas continuou a apertar o laço e a dizer:

-Fica quieto! Não se mexa!

Pare com isso!

E então o laço estava tão apertado que o Miguel não agüentou. Tacou uma mordida na mão do pai.

O pai ficou furioso, cheio de “Que é issos” e de “ Para já com issos” e de “Vam’ver, vam’veres”.

A mãe veio lá de dentro pra ver o que estava acontecendo e o Miguel disse:

-Se não querem que eu vire cachorro, não me tratem como cachorro!

O pai olhou pra mãe.

A mãe olhou pra pai.

-Que é isso – disse a mãe – ninguém trata você como cachorro!
E o Miguel respondeu:

-Então não me ponham coleira! Não me chamem “Vem”. Eu tenho nome.
O Miguel, nesse dia, foi ao casamento sem coleira... quer dizer, sem gravata.

E o Tanaka e contou que quando foi à casa do Miguel, na semana passada, os pais falavam com ele direitinho:

-Quer mais feijão, Miguel?

-Me passa a batatinha, filho?

A Menina que Não Era Maluquinha

Maluquinha, eu?

Eu não! Não sou nenhuma maluquinha!

Quem me pôs esse apelido foi aquele menino de casacão e panela na cabeça.

Ele me botou esse apelido quando eu fui brincar na casa do Mauricinho.

Eu nem queria ir.

Mas a mãe dele telefonou pra minha mãe, ela disse que o Mauricinho era muito tímido e que ela queria que ele brincasse com umas crianças mais... Não sei o que ela disse, acho que ela queria que ele brincasse com umas crianças mais descoladas...

E aí minha mãe me encheu um pouco e eu acabei indo.

A gente chegou na casa do Mauricinho e foi logo almoçar.

E depois do almoço a mãe dele botou a gente pra fazer a lição.

Eu não me incomodo de fazer lição logo depois do almoço, porque eu fico logo livre.

Mas a mãe do Mauricinho começou a fazer uns discursos sobre responsabilidade e coisa e tal, que a gente já era grandinha e tinha que cumprir com os compromissos... Um saco!

Eu tô careca de saber disso!

E então eu fiz minha lição correndo e o Mauricinho ficou lá toda a vida, ele não acabava mais de fazer a lição dele.

Aí eu comecei a rodar pela casa até que encontrei um gato.

Gato não, gata. Chamava Pom-pom. Ou era Fru-fru... Ou era Bom-Bom, sei lá.

E eu peguei a gata e ela estava meio fedida.

Então eu resolvi dar um banho nela. Gato não gosta de banho, vocês sabem.

Mas meu avô tinha me contado que quando ele queria dar banho no gato ele botava o bicho dentro da banheira e ele não conseguia sair e meu avô dava banho à vontade!

Mauricinho tinha um banheiro dentro do quarto dele.

Quando eu fui chegando perto da banheira a gata arrepiou toda e eu joguei ela bem depressa lá dentro e tapei o ralo e enchi de água.

E esfreguei a gata todinha com um shampoo todo perfumado que tinha lá e eu estava achando que todo mundo ia gostar de ver a gata toda limpinha. A gata estava muito infeliz e ela miava miaaauuu... e tentava sair do banho, mas meu avô tinha razão: ela arranhava a parede da banheira, mas não conseguia sair.

Mas acho que aí caiu shampoo no olho da gata, porque ela deu um pulo e agarrou na minha roupa e conseguiu pular fora e saiu correndo, espalhando espuma de shampoo por todo lado e nisso a mãe do Mauricinho vinha chegando e levou o maior susto e caiu sentada e a gata continuou correndo e assustando todo mundo e respingando tudo de espuma.

Eu não sei quem estava mais assustado: se era o Mauricinho, a mãe dele, a gata, ou se era eu.

Eu corri atrás da gata, mas ela pulou pela janela, atravessou o jardim, saiu pela rua e eu atrás.

Só que no meio da rua estava a turma daquele menino, aquele da panela na cabeça, e a gata passou pelo meio deles todos e eu atrás!

E eles levaram o maior susto, cada um correu para um lado, e atrás de mim vinha a mãe do Mauricinho e o Mauricinho e a cozinheira e o jardineiro todos correndo e gritando e eu resolvi correr para a minha casa e me esconder lá.

Mas no dia seguinte... a escola toda já sabia da história e aquele menino, aquele da panela na cabeça começou a me chamar de maluquinha...

Mas eu não sou maluquinha, não! Só se for a vó dele!

MEU IRMÃOZINHO ME ATRAPALHA

Eu tenho um irmãozinho que se chama Pedro. A gente chama ele de Pedrinho. Ele é bem bonitinho e eu gosto muito dele. Acho que eu gosto.

Antes que ele nascesse eu vivia chateando a minha mãe pra ela me arranjar um irmãozinho. Eu até andava pra trás, porque quando uma criança anda pra trás, é porque ela vai ganhar um irmãozinho.

E fui eu que escolhi o nome dele: Pedro, que é o nome do meu melhor amigo. E no dia que ele nasceu, eu fui no hospital visitar minha mãe e meu pai botou ele no meu colo! E ele era tão pequenininho! Eu até achei que eu tinha que tomar conta dele sempre!

Mas às vezes, meu irmãozinho me atrapalha!
Ele é muito pequeno e não sabe brincar das coisas que eu sei!
E ele se mete nas minhas brincadeiras e atrapalha tudo!

E a minha mãe fica me enchendo, que ela quer que eu leve ele pra todo lugar que eu vou: pra brincar na areia, pras festas de aniversário, pra ir ao shopping com meu pai.

Quando a gente sai na rua, todo mundo fica dizendo:
“Que bonitinho!”
“Que engraçadinho!”
Eu não acho graça nenhuma, que eu quero andar depressa e ele não sabe andar depressa...

E se eu quero comprar alguma coisa a minha mãe diz:
“Você já ganhou um presente hoje! Agora é a vez do Pedrinho!”

Antigamente, meu pai me contava uma história, antes de dormir.
Mas agora, ele não quer fazer barulho, pro Pedrinho não acordar!

Então ele me leva pra sala, pra contar histórias, e eu acabo dormindo no sofá!

E os meus tios e os meus primos, quando eu chego na casa da vovó, só ficam brincando com o Pedrinho e não ligam mais pra mim...

E quando o Pedrinho fica doente? Todo mundo só quer saber dele, só manda eu ficar quieto, pra não acordar ele, e todo mundo traz presentes pra ele e esquece de me trazer presentes...

Mas no outro dia eu estava um pouquinho doente. Aí minha mãe nem foi trabalhar pra ficar comigo e a minha tia passou o dia todo me agradando e meu pai me trouxe um monte de brinquedos.
É! Aquele dia foi bom!

Também foi bom no outro dia, quando a vovó veio lá em casa, e todo mundo estava fazendo festa pro Pedrinho, e ela disse:
“Eu quero é ver o Miguel! Que eu gosto muito do Miguel!”
Aí minha avó me pegou no colo, me contou um monte de histórias e disse que eu já estava ficando muito grande e muito bonito!
Ela até falou que ela gostava de brincar comigo, porque eu sei brincar de uma porção de coisas, que o Pedrinho ainda não sabe.

E quando meu amigo veio na minha casa e disse que não queria brincar com o Pedrinho que ele era chato, eu fiquei louco da vida e disse que meu irmão não era chato, nada! Só se fosse o irmão dele!

Porque o Pedrinho é bem bacana!
Ele anda de um jeito diferente, e ele fala umas coisas engraçadas. Ele brinca comigo de carrinho e de pegador e a gente joga bola junto

E eu boto ele no carrinho de brinquedo e empurro pela casa toda, e ele ri muito e eu também.

Está certo que às vezes criança pequena atrapalha.
Mas também, às vezes, criança pequena é bem divertida!
E sabe de uma coisa?
Eu não acho que eu gosto dele.
Eu sei que eu gosto muito, muito mesmo do meu irmãozinho!

MEUS LÁPIS DE COR SÃO SÓ MEUS

A Lulu estava muito contente naquele dia.
É que era o dia do aniversário dela.
Quando ela chegou da escola já encontrou a mamãe preparando a festa.

O bolo já estava pronto, os brigadeiros, as balas e os pirulitos.
O papai estava enchendo as bolas e a tia Mari estava botando a mesa na sala.
Todos almoçaram na cozinha para não atrapalhar as arrumações.

Então Lulu tomou banho e vestiu sua roupa nova, que a mamãe tinha comprado para ela. E se arrumou toda e a mamãe botou nela um pouquinho de água de colônia.

O primeiro convidado que chegou foi o priminho da Lulu, o Miguel.
Depois chegou a Taís, o Arthur e o Caiã e todos os colegas do colégio.

E ficaram todos brincando no jardim.

Aí todos entraram para abrir os presentes.

Depois foram soprar as velinhas e cantar parabéns.

Lulu gostou de todos os presentes, mas o que ela mais gostou foi da caixa grande de lápis de cor que se abria feito uma sanfona e que tinha todas, mas todas as cores, mesmo.

Depois que todos foram embora a Lulu foi dormir e ela até botou a caixa de lápis de cor do lado da caminha dela.

Então, logo de manhã, a Lulu já se sentou na mesa da sala, pegou o bloco grande de desenho e começou a fazer um desenho bem bonito, com seus novos lápis. Aí chegou o Miguel, que veio passar o dia com ela.

Ele se sentou junto da Lulu e disse que também queria desenhar.
Mas Lulu não quis nem por nada emprestar os lápis a ele.
- Os meus lápis de cor são só meus! – ela disse.

A mãe de Lulu ficou zangada:
- Que é isso, minha filha? Os dois podem desenhar muito bem. Empreste os lápis para o seu primo!
Mas o Miguel já estava enjoado dessa conversa, e foi para fora andar de bicicleta.

A Lulu desenhou casinhas e desenhou bonecas e desenhou um pato e um elefante. E pintou todos os desenhos com seus lápis novos e mostrou para a mamãe. Mamãe disse que estavam todos ótimos, mas que ela guardasse os desenhos e os lápis que ela precisava preparar a mesa para o almoço.

A Lulu juntou todos os lápis, mas, em vez de guardar na caixa, que é o melhor jeito para se guardar lápis, ela botou os lápis em cima do bloco e foi para o quarto, equilibrando tudo.

Ela foi subindo as escadas, subindo as escadas, até que já estava chegando lá em cima, quando ela perdeu o equilíbrio e deixou os lápis caírem todos escada abaixo. Os lápis rolaram pela escada e foram batendo, batendo, batendo nos degraus.

A Lulu desceu as escadas e viu que todas as pontas dos lápis estavam quebradas. Então ela começou a chorar, que os lápis estavam estragados e que nunca mais ela ia poder desenhar. O Miguel, que estava brincando lá fora, veio correndo apara ver o que tinha acontecido.

Então ele disse à Lulu:
- Não chore não, Lulu, eu vou buscar meu apontador lá em casa e eu aponto todos os seus lápis. E ele foi e logo ele chegou com o apontador.

O Miguel apontou todos os lápis da Lulu.
Então a Lulu convidou:
- Miguel, você não quer desenhar comigo?

E o Miguel veio e eles fizeram uma porção de desenhos, e o Miguel ensinou a Lulu a fazer um automóvel e a Lulu ensinou o Miguel a fazer um elefante. Aí o Miguel ensinou a Lulu a fazer um foguete que voava direitinho. E a Lulu ensinou o Miguel a recostar umas bonecas engraçadas.

E a Lulu se divertiu muito mais do que quando ela ficava desenhando sozinha...